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O APITO


Ele chega tarde do trabalho e olha o apartamento vazio, sabe que está vazio porque é um bêbado idiota, sabe que a culpa é dele e de mais ninguém. O apartamento nunca esteve tão sujo, tão degradante e sabe que isto também é culpa dele, mas tenta não pensar em nada.


Se olha no espelho e não se reconhece mais, tenta se acostumar com a aparência, mas não consegue, se acha repulsivo, seus olhos grandes, seu nariz afeminado e a boca grande demais e seca demais. Foge do espelho para parar de se olhar com raiva de si mesmo, quer se jogar pela janela, se imagina durante a queda e sente um frio na barriga. Fecha a janela e se afasta assustado, suando frio.


Queria beber alguma coisa, qualquer coisa. Queria fumar alguma coisa, qualquer coisa. A geladeira está vazia, só restou um bolo velho do natal e já estamos no final de fevereiro. Ele come o bolo, farelento e com um gosto azedo.


Senta no computador pra tentar escrever alguma coisa, qualquer coisa, mas não sai mais nada da sua cabeça, já faz um bom tempo que está assim, zerado de idéias. Olha para o lado e vê o apito, se levanta e o leva para a cama onde fica apitando por algum tempo, quando o afasta da boca seus olhos se enchem de lágrimas e o apito não volta a apitar.

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