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OS DIAS TRISTES


Ao lado do apartamento onde moro há uma praça tradicional da cidade onde todo final de semana são montadas barracas para uma feira de artesanato. Lá se vende de tudo, roupas, calçados, móveis, produtos infantis, antiguidades, enfim, uma típica feira de artesãos. Mas todo final de semana, essa feira também ganha uma enxurrada de músicos querendo mostrar seu talento e outro dia eu acordei com o som de um acordeon que me fez acreditar que estava em Paris.


Eu levantei, troquei de roupa, preparei meu café e fui tomá-lo na sacada, avistando ao longe aquele senhor, sentado no chão e tocando uma música que eu não sei o nome e que me fez viajar sem sair do lugar. A música me fez lembrar de um filme de 2001 e que é um dos filmes que mais me emociono até hoje: Les Fabuleux Destin d'Amélie Poulain (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain). Sempre gostei muito de filmes franceses, mas esse... ah, esse falava de mim.


Assim como a personagem do filme, eu sempre tive medo de viver. Sim, caro leitor, estou viva, mas sempre tive medo de viver. Sempre tive medo de sair, de conhecer e confiar nas pessoas, de me divertir, porque eu sempre achei que com minha felicidade, outras pessoas ficariam tristes, então me entreguei a tristeza e a viver escondida atrás de algum livro, de alguma poesia e estória que escrevia, de músicas. Tinha medo de sentir qualquer coisa: tristeza, felicidade, medo. Engraçado, eu tinha medo do medo. Assim, eu não vivia e os dias eram tristes.


Certa vez, um amigo me confidenciou que gostava de brincar com a filha dele de procurar uma palavra no dicionário e o outro tinha que adivinhar o significado da palavra escolhida. Uma dessas palavras que ficou bem viva na lembrança de meu amigo foi fobofobia, que é o medo exagerado do próprio medo. E, ali na sacada de meu apartamento, observando o movimento da rua, da praça, a música que me inebriava, me dei conta de que estava me tornando uma fobofóbica.


E ao escutar aquele senhor tocar o acordeon, lembrei-me de meus medos, lembrei-me de que estava voltando a me esconder e a viver dias tristes, lembrei-me da trilha do filme que um dia foi o "meu filme" e lembrei-me que precisava sair de casa, ver aquele senhor mais de perto e não através de uma sacada do outro lado da rua.


E sem medo dessa vez!


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*Ao som da música Les jours tristes, de Yann Tiersen.


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