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PELO DIREITO À INFELICIDADE


– O que foi? Tá de mau humor?


Taí uma das perguntas que mais ouvi ao longo da minha vida.


Eu fui uma criança séria. Se eu fosse menino, talvez as pessoas não perturbassem tanto, mas eu era menina e pelo jeito meninas têm a obrigação de sorrir o tempo todo, ainda que não tenham nenhuma razão para isso.


– Não, não estou.


– Tá triste, então?


– Não...


– Preocupada?


– Não, não estou nada, estou quieta aqui, pensando, descansando, sei lá!


– Aí, você está nervosa, tá vendo? É TPM, então?


O fato é que essa mania de me perguntarem se estou de mau humor tem me deixado de mau humor. Principalmente agora, que a felicidade parece ter se consolidado como uma espécie de obrigação. As pessoas se convenceram de que têm o direito inalienável de estarem felizes, realizadas e plenamente satisfeitas com as próprias vidas – a vida inteira.


É como se todos tivessem resolvido que precisam viver no mundo da fantasia publicitária. Sabe aquele mundo das mamães sempre apaixonadas, radiantes e bem arrumadas, cujos bebês têm o bumbum lisinho e fazem xixi azul? Pois é, aquele mesmo.


É mais ou menos assim... De repente, no meio dos seus afazeres, surge no ar a pergunta: “Você está satisfeito com sua vida? Tem certeza? Mas tem certeza meeesmo??”.


Aí, te fazem o favor de avisar o que te falta, que pode ser desde uma lâmina de barbear com hidratante acoplado até um carro com computador de bordo ou até mesmo uma terapia revolucionária que vai tratar todos os seus traumas de infância e fazer nascer um novo ser humano, absolutamente feliz e dono de seu próprio destino.


E agora, com as redes sociais, a epidemia da felicidade ao alcance de todos se multiplicou de vez. Num dia meio depressivo e endividado, você abre o computador e lá está um colega esfregando na sua cara uma viagem para Paris como se fosse a coisa mais corriqueira do mundo. Ou o prato gourmet de filé gourmet que vai comer naquele exato momento.


E os livros de autoajuda? Os coaches de estilo de vida? As frases da moda good vibe te lembrando, a todo o momento, que você tem o direito inalienável de ser feliz, de trabalhar numa coisa que realmente ama, que seus talentos são maravilhosos e só estão esperando serem descobertos e que a felicidade e a riqueza, essa maravilha ao alcance de todos, é só uma questão de mudar seu mindset?


É como se você não pudesse mais curtir uma tristeza, sentir uma dorzinha sem que alguém queira te tratar. Você não pode nem estar insatisfeito com sua própria vida, ainda que não ache isso grande coisa, ainda que acredite que isso passa.


Alguma coisa sempre te falta, de uma forma ou de outra. E se você não vive um ideal de vida, sua vida não vale a pena.


Às vezes penso que a depressão está se tornando uma epidemia não mais por causa do estilo de vida que as pessoas levam, mas porque elas não suportam mais a ideia de ter uma vida normal. Sinceramente, às vezes acho isso mesmo.


Quanto a mim, gostaria de continuar tendo o direito aos meus dias meio carrancudos, de ficar cansada sem precisar me lamentar sobre isso, de não sorrir quando não estou com vontade, de sentir umas dores estranhas sem que queiram me dopar e de, absolutamente, não ser feliz de vez em quando.


Apenas ser.


– É, deve ser TPM...


– Ah, conheço um remedinho ótimo...


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