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O FANTASMA NO CENTRO DE CAMPINAS


Passei grande parte da minha vida morando no centro da cidade de Campinas. Acordava e comprava marmita em um restaurantezinho de esquina em frente à Igreja do Carmo, era pequeno e a comida era boa e barata, a mulher que fechava a marmita não gostava muito de mim porque eu enfiava muita comida e ficava difícil de fechar. Era preço único, com direito a um pedaço só de mistura. O lugar não existe mais, abriu um lugarzinho mais ajeitado com uma dona mais ajeitada. O sobrinho do dono que tocava o restaurante teve uma crise de depressão, não conseguia mais ir trabalhar, era gente boa, não sei se ainda tá vivo ou cometeu suicídio.


O Café Regina é ponto turístico tombado pelo patrimônio histórico da cidade, quantas e quantas vezes não ia até lá com minha ex-namorada? Foi lá que conheci o Alberto, um senhor de quase setenta anos que conversava de filmes antigos comigo. Morreu de câncer faz quase dois anos, tinha emprestado meu DVD do filme A Longa Viagem de Volta, dirigido pelo John Ford e estrelado pelo John Wayne, e ele havia me emprestado o DVD do filme Juramento de Vingança, dirigido pelo Sam Peckinpah e estrelado pelo Charlton Heston. Não sei se ele chegou a assistir ao filme que eu emprestei pra ele, eu ainda não assisti ao filme que ele me emprestou, sempre olho pro DVD na minha estante e me lembro do Alberto. Os olhos azuis que pareciam saber tudo do mundo me encarando, os poucos cabelos brancos penteados para trás. Nunca mais vou ter meu DVD de volta e nunca vou poder devolver o DVD dele.


O Brito (ou Britto), não me lembro se tinha só um T ou eram dois, também morreu. Já deve fazer quase uns quatro anos que ele teve um derrame e foi desta pra melhor, nunca mais cortei o cabelo com ninguém, virei meu próprio cabeleireiro. Deixei o cabelo crescer por um tempo, depois passei a gilete e deixei crescer de novo. Preciso arranjar um cabeleireiro novo, mas quero ver se vai acertar o meu cabelo como o Brito (ou Britto). A última vez que o vi estava cortando o cabelo do meu pai, meu cabelo ainda não precisava de um corte, já não estava bem e morreu pouco tempo depois.


Esta semana descobri sobre o Seu Francisco, era assim que todo mundo chamava ele: “Seu” Francisco. Ainda não morreu, mas teve dois AVC’s e está muito mal, foi lá pro Rio Grande do Norte onde tinha família. Ele era o zelador do prédio em que eu morava, sempre sorrindo, sempre elétrico, não parava nem um minuto quieto. Não consigo imaginar o centro de Campinas sem o Seu Francisco, ou mesmo o prédio em que eu morava sem ele falando do Palmeiras pra qualquer um que entrasse. Seu Francisco, palmeirense roxo (opa, roxo não, palmeirense VERDE), só falava do time do coração. Eu, corinthiano, era um dos seus alvos preferidos, junto com o Marcos, porteiro corinthiano gente boa. Encontrei com o Marcos esta semana e foi ele quem me contou do Seu Francisco. Agora o Marcos tá querendo ir embora pra terra dele, perto de Minas Gerais, e daí não vai mais sobrar ninguém no centro de Campinas que eu conheça ou que se lembre de mim.


E é assim que vou virar aos poucos o fantasma do centro, sem ninguém mais pra lembrar-se de mim. Todas as minhas memórias, de cada canto daquele lugar vão ser apagadas com o tempo. Nem o Milkshake que eu era viciado existe mais. Todos vão embora, e um dia, talvez, eu seja a lembrança de algum outro fantasma que já andou por ali.

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