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EU GOSTO DA EUROPA E A EUROPA GOSTA DE MIM



Em maio de 1974 o artista alemão Joseph Beuys fez sua primeira visita aos Estados Unidos da América, e fez da visita uma obra de arte. Ao chegar no aeroporto de New York, foi levado até uma instalação sem tocar os pés em solo americano, foi deixado em uma sala com um coiote selvagem por dias até ser aceito pelo animal. A performance pode parecer sem sentido para alguns, mas é cheia de elevados simbolismos, Beuys era um amante da natureza e tinha como objetivo desta performance ser aceito pelo verdadeiro espírito americano, ou seja, por um coiote selvagem. Esta obra de arte ficou conhecida como Eu gosto da América e a América gosta de mim. Beuys é de longe um de meus artistas preferidos e precisaria de uma dissertação para eu explicar todos os motivos, o que eu quero chamar a atenção neste texto são para dois principais fatos: ele era um amante da natureza e acreditava que qualquer um é um artista.


Já faz um tempo que estou na Europa, já escrevi alguns textos (menos do que eu havia planejado escrever, é verdade), mas se escrevi pouco é porque perdi mais tempo vivendo do que produzindo literatura. Minha viagem começou pela Irlanda, com muita chuva e clima depressivo, onde encarei meus demônios e tive que matar de uma vez por todas pessoas e anseios que me faziam mal. Este processo de deixar partes minhas para trás foi sendo aprendido ao longo dos meses seguintes.


Depois me apaixonei novamente por uma garota do Oriente Médio, que me ensinou coisas que eu nunca havia aprendido. Me ensinou a dar mais valor a mim mesmo, a perceber que eu não era aquilo que eu achava que era. Então na Itália vivi com um casal de amigos que foram fundamentais para o meu processo de cura, pois é nessas horas que mãos estendidas faz toda a diferença.


Mas ainda tinha algo que faltava, pois vim para a Europa encontrar um lugar onde eu me sentisse bem, rodeado de pessoas que tivessem mais haver comigo. E em nenhum momento aqui eu tive esse sentimento de “casa” que eu vim buscar, foi então que eu percebi que talvez eu nunca sinta isso, percebi que o que eu estava buscando jamais existiu e jamais vai existir. Rumei a Alemanha, em uma fazenda em Zempow, uma comunidade anarquista pacífica com uma enorme história de luta para a desmilitarização da área florestal da região. Foi lá que eu finalmente achei aquilo que eu vim aprender, algo que eu achava que jamais existisse.


Fiz uma amizade que espero manter para o resto da minha vida, Paula, uma garota espanhola que me ajudou a descobrir minha conexão com a natureza. A floresta estava ali e eu aprendi a fazer parte dela, procurei por lobos ao longo de um mês sem sucesso, mas em compensação pude ver cervos, nadar em um lago em parceria com serpentes, caminhar em meio a árvores antigas e me perder em antigas bases militares abandonadas. Sentávamos no meio da mata somente observando o ambiente ao nosso redor, outras vezes cantando ou conversando sobre o universo. E seu mantra musical cantado com a companhia de seu ukulele azul era “Don't Worry Be Happy” de Bobby McFerrin e que entrou em simbiose com minha alma.


Voltei para a Itália muito mais leve e vivi algumas semanas na cidade marítima de Riccione onde podia nadar no mar todos os dias e minha conexão com a natureza só continuou aumentando, nadava com medusas, de madrugada e ouvia o oceano se comunicando comigo como insetos gigantes vivendo em um formigueiro.


Foi então que o mais surpreendente aconteceu, estava caminhando por uma mata fechada nos arredores de Braccano quando ouvi um barulho atrás de mim, passos seguidos de um latido abafado, ao olhar para trás me deparo com uma matilha de cinco lobos. Meu sangue gelou e tive um pico enorme de adrenalina e medo, mas minha consciência sussurrou no meu ouvido - “Não era isso que estava procurando?”. Eles passaram rapidamente por mim, dois esbarraram na minha perna e fui inundado por um sentimento de paz, o medo não estava mais em mim. Um dos lobos parou e se virou para mim, estendi minha mão para ele se aproximar e poder cheirá-la. Por menos de um minuto nos encaramos, pude sentir que ele aprovava minha presença ali, eu era aceito por ele, fazia parte daquele lugar. Ele se virou como se me cumprimentasse com um aceno de cabeça e foi embora com os outros lobos para dentro da mata.


Assim como Beuys, eu havia sido aceito pela Europa, minha missão ali havia terminado, aprendi tudo o que eu tinha que aprender, principalmente aprendi que jamais me sentiria parte de algo em meio a civilização dos homens, com suas vidinhas vazias e sonhos mesquinhos. Eu sou parte da natureza, que é muito maior que meus semelhantes. Hora de voltar para casa. Continuarei minha jornada rumo ao futuro, e mesmo sem saber o que ele me reserva, o mantra continua sussurrando: “Don't Worry Be Happy”!


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